Enveredar por uma expressão artística como se oxigênio, com a ânsia atávica de construir um espaço simbólico original e singular. Imantar esse espaço, entreposto de aspirações e hiatos existenciais, com a matéria sensível daquilo que é essencial e desmesuradamente humano. Expressão-oxigênio.
Nas manhãs outonais em que a Terra revolvida emite sussurros, cavar manjedouras, entrecruzar os braços tentaculares por entre árvores, olhar fixamente as pedras até que elas transpirem. Talhar fissuras no tempo, elipses da memória, lampejos do inconsciente e meta-visões fugazes das vigílias, até erigir uma imprecisa e necessária arquitetura para abrigos fotossensíveis.
As fotografias de floema, gestadas por Sonia Dias, convulsionam as temporalidades do fantástico. Os símbolos, a matéria sensível, o tempo, a memória, o inconsciente, as vigílias e as arquiteturas a solaparem vertiginosamente, soçobrados pela irradiação fotomagnética e interestelar de suas imagens-eclipses. Formas se deformam, conformam, reformam. Retornam. Água-poço, pedra-pele, mata-cicatriz, península-ventre, fluxo-floema. Memória-movente, memória-imaginante.
Peles de imagens, rosadas, como as cores de cascas arrancadas de ancestralidade dos troncos de bétulas, as fotografias de Sonia Dias são escrituras de uma luz longínqua: marcam e cicatrizam, rebatem e devolvem, intensificam e, por fim, eliminam toda a polaridade entre os eventos da terra e a onipresença dos vetores celestiais. Fotografias que ora pairam sobre mundos de realidades imaginárias e ora aterrizam no firmamento das paisagens e imemoriais.
A luz solar, crispada, irrompe, atravessa e seredesenha nos anteparos de outros quase eclipses até atingir a porção líquida especular. Uma condensação complexa entre traços, linhas, formas e cores sobrea magnitude do tornar visível ilhas de um território do inconsciente - o invisível que nos dá a ver quandoestamos de olhos fechados.E retornam de um retorno eterno deste profundo das imagens, sobrevivências de gestos e emoções, como compostos orgânicos e tecidos de células vivas. Seiva viscosa ancestral. Fluidez-vínculo. Pulsação damemória-mundo. Floema, nervuras de luz crivadas do fantástico. De um olho sensor obtuso de Sonia Dias, que mergulhanas profundezas das águas cálidas de uma matéria chamada tempo. Tesouro sobrevivente de memória primeva. Dialética entre a certeza da ausência daquilo que não vemos e a dúvida sobre tudo aquilo que está presente e se faz visível. Imagens-poros abertas em sua superfície de mistério. Imagens-experiência sobre outros mundos possíveis abertos aos seus porões infinitos.
Eder Chiodetto e Fabiana Bruno